terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Capítulo 109

AVISO: Esta é uma obra de ficção, portanto, qualquer semelhança
com pessoas ou fatos da realidade é mera coincidência!

 

Capítulo 109 – Gritando em Silêncio...  Parte 03
Falta 04 capítulos para o final da novela on-line “Menina Veneno”


"O esquecimento mata as injúrias. A vingança multiplica-as.” – Benjamin Franklin 
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Cheia de Charme
Composição: Guilherme Arantes


Quando a vi
Logo ali, tão perto
Tão ao meu alcance
Tão distante, tão real,
Tão bom perfume...

Sei lá!

Investi
Tudo naquele olhar
Tantas palavras
Num breve sussurrar
Paixão assim
Não acontece todo dia...





EM ALGUM LUGAR DO PASSADO... NUMA OUTRA ENCARNAÇÃO.

 




Um flash back muito esclarecedor...

22de ABRIL DE 1911 - SÁBADO

00h13min44seg – PINHÃO – SERGIPE - 76 km de Aracaju
  
 

No meio da escuridão do oeste sergipano, os cangaceiros saíram em fila indiana. Todos pisando na mesma pegada dirigiram-se para o sertão da Bahia. O Último, como de costume, tratou de apagar os passos com uma palha.

Em meio a cactos e palmas, na calada da noite, o Padre saiu em direção à igreja “São José” cantando uma música sacra:

“Em verdes pastagens me leva a repousar.
Em fontes bem tranqüilas, as forças recobrar.

Por justos caminhos, meu Deus, vem me guiar.
De todos os perigos, meu Deus, vem me livrar!”

A projeção foi interrompida... Em questão de segundos “Elda” se tele-transportou diante dos olhos de Guilherme que a essa altura já estava acomodado na poltrona.

Encerrada a sessão de banho energético, o filme da última encarnação do neto do velho Perseu recomeçou.

“É... Realmente a intervenção de Elda veio em boa hora. Estou mais calmo.”

Depois da cena em que o Padre partiu em meio ao sertão com o filho do Capitão Zé Canuto, houve uma súbita aceleração de imagens numa velocidade que nunca testemunhou, como se vários anos da vida das personagens tivessem sido adiantadas. Ele estava certo. Agora ele conheceria a sucessão de fatos que aconteceram após dezoito anos da passagem do Capitão Canuto às margens do rio Vaza-Barris e Sergipe.

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO... NUMA OUTRA ENCARNAÇÃO.

Retomando o flash back... – 18 ANOS DEPOIS


10 de MARÇO DE 1929 - DOMINGO

09h50min12seg – PINHÃO – SERGIPE - 76 Km de Aracaju

 Uma pequena igreja com poucos bancos e quase nenhum adorno. Assim era a humilde morada do Padre Antônio, famosa pela enorme cruz de madeira de lei que segundo a crendice popular era milagrosa. Bastava rezar com muita fé aos pés daquele altar que as graças eram alcançadas.

 

Padre Antônio encarou o encontro que teve com o Capitão Zé Canuto como obra de Deus, por isso aceitou criar o filho daquele, afinal “o menino não tinha culpa...” - Era o que costumava dizer ao criador em suas diárias orações.

Aquela manhã de domingo trazia um ar diferente. Padre Antônio acordou com um estranho pressentimento... Algo que não sabia explicar. De qualquer forma, por precaução, assim que encerrou a missa no centro de Pinhão, correu o mais rápido que pôde pra igrejinha. – A sensação de que um perigo ameaçava a sua paz era muito forte, e ele costumava dar ouvidos às suas impressões, pois foi graças a elas que chegou aos sessenta anos de idade naquele ambiente de fome e violência.

10h10min33seg – Padre Antônio chegou à igrejinha

10h10min35seg – Percebeu que as duas portas laterais estavam escancaradas e não havia ninguém dentro. Desesperado começou a gritar:

 - Eduardo?!

10h10min35seg – Revistou todo o ambiente.

- Eduardo... Cadê você?

10h10min39seg – Parou na frente do altar e gritou:

- Eduardo!!! Aonde ele foi parar?

10h10min41seg – Eduardo apareceu ofegante sustentando um balde d’ água nos ombros.

- O que foi padre?

10h10min43seg – Emocionado o religioso abraçou o jovem rapaz e perguntou em tom repreensivo:

– Quantas vezes te disse pra não sair?
- Só me chamou pra isso? Pensei que o Senhor estava morrendo, gritando desse jeito.
- Não brinque... Respeito é bom e eu gosto! Pra onde você foi?
- Fui buscar água, mas como a fonte da gente secou tive que atravessar a cidade.
- Valha-me Deus! Nunca mais faça isso, ouviu?!
- Eu até que gostei de sair sozinho. O senhor nunca me deixa sair. Eu já sou homem!
- Meu filho, uma vez na vida me ouça: por tudo que for sagrado... Nunca saia sozinho!

10h15min25seg – Revoltado com o isolamento a que fora submetido desde criança, insistiu:

– Por quê?
- Sabe por que você fica enfurnado nessa igreja o dia inteiro?
- Por quê?
- A volante pode lhe matar!
- A volante não existe pra proteger?
- A volante só protege os Coronéis. E rapazes da sua idade, só têm duas opções: Se alistar na volante para matar pro governo ou entrar no cangaço para matar sabe-se lá Deus por quê.
- E eu tenho que ser um dos dois?
- Pela lei do Sertão sim. Se você não tomar uma decisão poderá ser atacado por qualquer um... Mas enquanto você estiver comigo, não precisará tomar decisão nenhuma.

10h17min50seg – Deu um abraço fraternal em Eduardo e falou esperançoso:

- Pode até ser Padre.
- Eu não quero ser Padre!
- Não vou obrigá-lo.

10h17min50seg – O jovem rapaz fez menção de contra-argumentar alguma coisa, mas desistiu por não ser a primeira vez que discutia aquele assunto que sempre não levava a nada. Assim, querendo poupar o velho religioso, tentou mudar de assunto:

- Padre Antônio...
- Sim meu filho.
- Sabe quem é o novo prefeito?
- Não é o Coronel Adriano?
- É não... Mataram ele.
- Quem é então?
- Um tal de Coronel Venâncio.

10h26min43seg – Padre Antônio engasgou com a própria saliva e indagou:

– Como?!
- Padre? O senhor está bem?
- To sim meu filho. Pode levar a água, vamos comer.
- O senhor ta bem mesmo?
- To meu filho. Sei de alguém que vai gostar dessa notícia... Eduardo meu filho... Em nome de que tudo que for sagrado... Prometa que nunca mais sairá sozinho.
- Mas Padre...
- Vamos... Prometa! É pro seu próprio bem e eu tenho minhas razões.
- Ta... Ta bem... Se for importante pro Senhor, prometo.

Enquanto isso...

 

10h26min45seg – Há pouco mais de um quilômetro, no quarto de um Casarão, uma Senhora agoniza. Trata-se da esposa do Coronel Raimundo Venâncio.

10h26min47seg – Médico da família pôs a mão na testa da enferma.

Aquele gesto não estava mais relacionado a qualquer espécie de diagnóstico. Àquela altura já era claro até para um leigo que o quadro era irreversível. Era, portanto, um ato de despedida.

10h29min01seg – O Coronel entrou no quarto.
  
- E então doutor?
- Não podemos fazer mais nada. Chegou a hora dela.
- Tem certeza doutor?
- Absoluta. Só um milagre resolve.
- E um milagre custa quanto?
- Não tem preço Coronel... A ciência não pode fazer mais nada, só Deus.
- É?  
- É.
- Por precaução... Já mandei chamar o padre.
- Ótimo!

10h30min52seg – Sentindo um nó na garganta, o Coronel Raimundo Venâncio, lamentou estar perdendo a esposa justamente no momento tão importante da sua vida.

10h31min08seg – Dominado pelo sentimento de revolta, começou a pensar em voz alta... Como se estivesse fazendo uma confissão.


“Depois de tantos anos... Dezoito... E agora me torno prefeito pra quê? Pra ver minha mulher morrer?”

10h32min21seg – Um jagunço interrompeu:

- Patrão.
- Que é?
- Sua filha chegou.
- Mande entrar.

10h35min25seg – Gisela, filha do Coronel, entrou chorando muito.

- Minha mãe!
- Calma menina. – O médico tentou acalmar.
- Mainha consegue ouvir? Nos entender?
- Talvez.

10h36min09seg – Num raro momento de demonstração de carinho, o Coronel abraçou Gisela e falou:

– Isso pegou todos de surpresa minha filha.
- Vim assim que soube.
- Eu sei minha filha.

10h36min52seg – O Jagunço interrompeu mais uma vez:

- Patrão...
- Que é?
- O padre chegou.

10h37min11eg – Padre Antônio entrou, cumprimentou os presentes no quarto e começou a rezar.

- Pai nosso... Que estás no céu...

11h15min11eg – Após alguns minutos de oração coletiva, houve um súbito silêncio.

11h15min17eg – Enquanto todos estavam concentrados na oração, o médico fez um último exame e anunciou:

- Não precisa rezar mais padre, ela morreu.

11h15min21segg – Gisela desmaiou sobre a cama em que estava a mãe morta.

Alguns dias depois isso...

 

25 de MARÇO DE 1929 - SEGUNDA


19h40min05seg – Padre Antônio entrou numa sala enorme, que fora palco de muitas decisões políticas importantes da região, e ao ver o Coronel Raimundo Venâncio que o aguardava numa cadeira de balanço perguntou sem hesitar:

- Por que o Coronel mandou me chamar?
- Padre... Não sei se já te disse que tenho muita estima pelo Senhor... Muita admiração... Sem falar na confiança.
- É... O Senhor já me disse.
- Pois é Padre... Por confiar muito é que faria muito gosto se o Senhor fosse o professor da minha filha de hoje em diante.
 - Fico honrado Coronel... Mas eu sou um simples padre.
- Tem cultura... É inteligente... Eu confio... Isso basta!
- Coronel... Lá na Europa tem professores melhores.
- Ela não vai mais morar longe dos meus olhos. Isso de estudar fora foi frescura da mãe... Por mim ela já tinha casado e providenciado meu herdeiro... Mas ainda dá tempo... Até arranjar um bom partido, ficará sob minha guarda.
- Então pra que ela precisa dos meus ensinamentos?
- Precisa sim. Menina na idade dela é muito assanhada... Estudando na França então. Não quero ouvir história de que minha filha anda pelos matos com algum filho de coronel.
- Mas eu estou velho, não agüento vir pra cá todos os dias.
- Isso não é problema, um dos meus homens a levará pra sua igreja... Além do mais... Soube que a igreja está precisando de uma reforma e estou disposto a financiar... Estamos conversados?
- Sim... Acho que por um lado vai ser bom... Ela pode se distrair com a caminhada.
- Quando começam as aulas?
- Logo depois da missa.
- Como desejar.
- Obrigado por vir, Padre.
- Se quiser, também pode ir a igreja se confessar meu filho.
- Não será possível Padre, agora, como bem sabe, sou prefeito... E se contasse meus segredos, com todo respeito, eu ia ter que mandar matar o Senhor.

26 de MARÇO DE 1929 - TERÇA

A aula iniciou no dia seguinte.

Eduardo tinha recebido instruções específicas para ficar fora da vista de Gisela, mas não adiantou, depois de alguns dias, ao perceber que o Padre Antônio tinha relaxado, o jovem rapaz deu um jeito de se apresentar a moça: Entrou de surpresa e ao ouvir os protestos do velho Padre se desculpou alegando que tinha esquecido que a aula ainda estava acontecendo. A situação constrangedora, conforme os planos de Eduardo forçou o Padre Antônio a apresentá-lo.

- Ah... Talvez você já tenha ouvido falar do Eduardo.
- É o moço que o Senhor nunca deixar chegar perto de ninguém nem ir pra cidade?
- O povo fala demais!
- Oi... Meu nome é Eduardo... Padre Antônio me criou... Pra mim é meu pai...
- Meu filho... Você já interrompeu... Mas já pode ir.
- Desculpa Dona...
- Gisela.

Os dois se encararam... E naquele instante nasceu a fagulha de amor que os perseguiria por anos e venceria a própria morte. O que à primeira vista aparentava ser uma ocasional interrupção de aula, era na verdade, o encontro de duas almas gêmeas.

- Pode ir meu filho...
- Tô indo... Mais uma vez desculpa.
- Minha filha... Posso pedir uma coisa?
- Claro... O Senhor não quer que eu fale pra meu pai que conheci o misterioso rapaz de que o povo tanto fala, não é?
- Isso... Quero que jure em nome do nosso Senhor Jesus Cristo.
- Não se preocupe Padre... Eu juro!

Mais alguns dias depois...

 

20 de ABRIL DE 1929 - SÁBADO


8h20min54seg – Enquanto Gisela ouviu as explicações do Padre Antônio, há certa distância, Eduardo limpou os bancos da igreja.

Em diversos momentos os dois jovens se entreolharam.

8h21min03seg – Irritado com o clima de sedução que pairava no ar, o Padre Antônio bronqueou.

- Por hoje chega amanhã a gente continua!
- Obrigada Padre.
- Até amanhã minha filha.
– Até amanhã Edu.

8h24min34seg – Assim que se viu a sós com Eduardo, Padre Antônio deu um tapa.

– Não se meta com ela!
- Eu não fiz nada.
- Porque percebi a tempo. Ela é filha do Coronel Raimundo sabia?
- Ela disse.
– Mesmo assim você...
- Disse, mas não acreditei.
- Era só o que faltava. Reze pra que ela não conte pro pai. Logo quem: Coronel Raimundo Venâncio. Sabia que não  a deixou voltar pro exterior porque não queria que a filha ficasse longe dos seus olhos pra não fazer sem vergonhice?
- Eu não fiz nada!

8h26min18eg – Deu nova bofetada.

- E nem vai fazer! Torça pra que ela não tenha dito que ficou de conversa com um rapazinho da cidade... Se ela disser não sei o que será de você.
- Não se preocupe padre, eu sei cuidar de mim.
 - Sabe né? Por isso mesmo a partir de amanhã não sairá do quarto enquanto eu estiver ensinando... Vai dar um passeio.

À noite... Não muito distante dali.

19h00min27seg – O Bando de “Zé Canuto” cantou e dançou a música “Olê Mulé Rendeira” em volta de uma fogueira.

 


19h00min31seg – Um dos Cangaceiros tirou pedaços de carne seca que carregava na bolsa e começou a assar.

Depois de alguns minutos no fogo, todos dividiram a carne e tiraram de um saco uma pequena porção de farinha e comeram numa tigela de alumínio.

19h02min31seg – Motivada por um sentimento nostálgico, Josefa puxou uma conversa:

– Zé...
– Hum...
- A gente devia procurar o Padre Antônio e pegar nosso menino de volta.
- Tire essas idéias da cabeça mulher.
- Nosso filho ta com dezoito anos.
- Esqueça.
- Eu quero meu filho Zé...
- Você não tem mais filho mulher!
 – Vida desgraçada!

19h06min31seg – Do interior da escuridão da noite, “Vagalume”, homem de confiança do Chefe dos Cangaceiros, interrompeu a cantoria e a janta. Estava muito nervoso.

– Capitão?
- Você sabe que não gosto de ser interrompido quando estou comendo!
- É importante Capitão.
- Desembucha homem!
- Coronel Pereira ta vindo aí com seus homens.
- Não deve ser nada. Coronel Pereira é amigo.
- No Sertão ninguém é amigo de ninguém Josefa!

19h08min23seg – Levantou, encarou os homens do bando e orientou:
 

- Não façam nada, deixem ele se aproximar, mas fiquem atentos... Qualquer movimento em falso atirem!

19h11min45seg – Coronel Pereira apareceu Junto com dois capangas.

- Capitão Canuto! Meus homens contaram e eu não acreditei, tive que ver com meus próprios olhos. Há quanto tempo não aparece por essas bandas?
- Tava vagando pelo mundo.
- Diga pros seus homens se aquietarem que ainda sou amigo. Tem comida bastante no casarão.
- Precisa não, ficaremos por aqui mesmo.
- Esse é o Capitão Zé Canuto que eu conheço... Sempre desconfiado. Não se avexe não homem, vou mandar trazerem comida pra cá.
- Tem novidade?

19h17min59seg – Cel Pereira chamou o Cangaceiro para um canto e teve uma conversa reservada.

 – Tenho novidades... Pinhão agora tem prefeito novo.
- E eu com isso?
- Eu mandei matar o outro, só que os outros coronéis chamaram um fazendeiro do sul pra ser o novo prefeito.
- Por quê?
- Porque ele já morou aqui e tem mais terra e jagunço do que eu.
- E o amigo quer que eu o mate?
- Sim.
- Por que o amigo não faz o serviço?
- Porque se souberem que fui eu, não serei o prefeito. E se o Capitão o matar, os coronéis vão pensar que foi por causa de uma rixa entre o senhor e ele... E aí ninguém se mete. 
- Pra matar prefeito é mais caro.
– Quarenta contos de réis resolve?
- Estamos conversados. Qual o nome do sujeito?
- Coronel Raimundo Venâncio.
- Tem certeza?
- Absoluta.

19h31min10seg – “Zé Canuto” começou a sorrir escandalosamente. Pasmo e tomado por um terrível ódio que ficou adormecido por longos dezoito anos.

19h31min15seg – Os demais cangaceiros começaram a sorrir também.

19h32min05seg – Incomodado, O Coronel Pereira questionou:

- Com todo respeito Capitão... Qual é a graça?

 

19h33min41segÀs margens do Rio Vaza-Barris, Capitão “Zé Canuto” revelou em tom sarcástico:


– Se o amigo tivesse dito o nome antes, eu faria o serviço de graça.



Continua...



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