sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Capítulo 108

AVISO: Esta é uma obra de ficção, portanto, qualquer semelhança
com pessoas ou fatos da realidade é mera coincidência!

 


Capítulo 108 – Gritando em Silêncio...  Parte 02
Falta 05 capítulos para o final da novela on-line “Menina Veneno”

"O esquecimento mata as injúrias. A vingança multiplica-as.” – Benjamin Franklin 
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Onze Fitas
Composição: Fátima Guedes


Por engano, vingança ou cortesia
Tava lá morto e posto um desregrado
Onze tiros fizeram a avaria
E o morto já tava conformado
Onze tiros, e não sei por que tantos
Esses tempos não tão pra ninharia
Não fosse a vez daquele outro ia

Deus o livre morrer assassinado
Pro seu santo não era qualquer um
Três dias num terreno abandonado
Ostentando onze fitas de Ogum
Quantas vezes se leram só nesta semana?
E essa história contada assim por cima

A verdade não rima
A verdade não rima
A verdade não rima...



09 DE FEVEREIRO DE 2009


 


02h31min39seg – Ao penetrar o olhar frio de Maria Geeda que lhe dava um carinho na testa, Guilherme teve um Dèjá Vu dos eventos que aconteceram em sua encarnação anterior... Vagas lembranças do período em que permaneceu em estado de Coma: (ver capítulo 72)

 MERGULHANDO NO DÉJÀ VU DO PERÍODO DO COMA...

 20 de Setembro de 1998 a 09 de Novembro de 1998

 
Guilherme viu-se numa espécie de sala de projeção. Uma sala idêntica a tantas outras que tinha ido... Salvo por um detalhe: Só existia uma poltrona. Era um cinema para uma pessoa só.

- Caramba! Noutros tempos eu pensaria que enlouqueci... Nem vou perguntar como chegamos aqui porque sei que com toda a limitação da minha cultura intelectual jamais entenderia.
- Há tempo pra tudo... Gui vou deixá-lo a sós com sua mentora.
- Espere Hélio, vou contigo.
- Vocês me deixarão aqui sozinho?
- Meu filho, este “cinema” só tem uma poltrona por que o “filme” exibido só diz respeito a você...
- É a última lição que Hélio falou?
- Isso.

Elda e Hélio deram mais um abraço fraternal em Guilherme e se despediram.


Assim que ficou só, Guilherme sentou-se na poltrona que flutuava diante da imensa tela.

Imediatamente um filme começou a ser exibido... “A última encarnação”.
  
 


EM ALGUM LUGAR DO PASSADO... NUMA OUTRA ENCARNAÇÃO.


Um flash back muito esclarecedor...

22 de ABRIL DE 1911 - Sábado

00h13min44seg – PINHÃO – SERGIPE

 


A noite sertaneja do oeste sergipano estava assustadoramente linda: Vênus, Saturno, Perseu, Agol, estavam todos visíveis. A brisa estava muito suave. Uma atmosfera silenciosa que nem mesmo os grilos ousaram romper. O silêncio era mortal. Todos os seres vivos ali presente sabiam disso.

Às margens do rio Vaza-Barris e Sergipe, há 76 km de Aracaju, um homem fardado que estava escondido atrás de um pé de palma observou o local. Não muito distante também camuflados na penumbra, alguns cangaceiros fizeram o mesmo.

De ambos os lados havia uma terrível espera do primeiro ataque. Uma espera que já durava mais de três horas em silêncio absoluto. Tanto os subordinados macacos quanto cangaceiros esperavam ansiosamente uma ordem que não vinha.

Havia uma equivocada certeza de que a existência de uma tocaia não era conhecida. Um grande erro. E como não poderia deixar de ser, foi punido com sangue.

O chefe dos “macacos” sinalizou para que os que estavam escondidos aparecessem. A direção foi apontada, mas ficou invisível diante da nuvem de fumaça que surgiu por causa da aparição de um enorme grupo de cangaceiros que atiraram sem pena.

Houve uma correria desesperada. A luta foi árdua.

A visão era tão realista e tão estranhamente familiar que em alguns momentos Guilherme teve o ímpeto de se intrometer na briga, de tentar acabar com aquela matança. Sentiu um nó na garganta por várias vezes. Nesta hora pode experimentar a energia da sua mentora “Elda” que enviou uma mensagem mental:

“Calma Guilherme... Apesar de ser a sua encarnação... Já passou.”


Depois de muitos tiros, socos, facadas e muita correria, os poucos “macacos” fugiram e os cangaceiros venceram. Contudo, não tiveram tempo pra comemorar já que a esposa do chefe dos cangaceiros, Capitão Zé Canuto, que estava grávida começou a gemer. Atenta ao que acontecia, a mulher mais velha do grupo anunciou que a mesma tinha entrado em trabalho de parto.

Enquanto alguns prosseguiram na árdua tarefa de recolher os mortos. Outros ergueram um acampamento.

Assim que a primeira barraca foi montada, uma velha parteira carregou a gestante. Foi a oportunidade que um “Macaco” que se fingia de morto esperava: Num gesto rápido levantou-se, tirou uma faca, empurrou a velha e apontou para o pescoço de Josefa (mulher do capitão) que só fazia chorar e gemer.

Em tom desesperado, o “macaco” sobrevivente advertiu:

- Ninguém se mexe!
- Não seja besta rapaz! – Gritou Capitão Zé Canuto.
- Eu mato ela!
- Como você quer morrer rapaz?
- Eu mato ela!
- Pode matar. Garanto que você vai morrer de qualquer jeito.

Percebendo que os demais cangaceiros ameaçavam atacar, Capitão Canuto gritou:

- Quietos! Eu não mandei fazer nada!
- Tô falando sério. – Ameaçou o “macaco”
- Eu também.
- Eu só quero ir embora!
 
O Capitão deu um tiro no pé da esposa fazendo-a cair. Josefa foi socorrida pela parteira e gritou de forma ainda mais intensa.

Assustado o “macaco” correu, mas foi morto com três tiros nas costas.
Durante o parto todos deixaram o que estavam fazendo quando a parteira advertiu:

– Ta difícil Capitão. Não quer sair.
- Num perguntei. Faça o seu trabalho!
- Eu vou morrer! – Berrou Josefa.


Extremamente irritado, Zé Canuto, ergueu a mão para todos parassem o que estivessem fazendo, e no tom autoritário que lhe era peculiar falou:

- O que vocês estão esperando pra rezar? Vamos, comecem a rezar... O santo ouve melhor com mais gente!

Todos obedeceram. Assim que a criança nasceu a parteira informou:

- É cabra macho Capitão!
– É macho Zé... Como você queria. – Zé Canuto olhou o filho - Podemos ficar com ele?
- Você sabe que não!
- Mas Zé...
- Nem mais e nem menos. A cabeça do Capitão Zé Canuto está a prêmio a muitas léguas desse mundaréu de chão. Papagaio!
- Sim senhor!
- Me arranje um padre.
- Onde Capitão?
– No quinto dos infernos!
- Capitão, com todo respeito, lá num é lugar de padre não.
- Faça o que lhe mandei condenado!
- Já fui Capitão.

Papagaio saiu correndo. Canuto sinalizou para a velha Parteira se afastar, pois queria conversar a sós com o grande amor da sua vida.

- O que você vai fazer, Zé?
- Vou dar o menino pra um padre criar. É mais seguro. Pra ele e pra gente.
- Não Zé, pelo amor de Deus não!
- Num tem jeito... É decisão tomada! – Josefa começou a chorar - Num quero que meu filho passe pelo que eu passei. Que viva sem saber se haverá o dia seguinte. Isso num é vida, pelo menos ele ainda tem escolha.

Após algumas horas de espera. O céu já se escondia sob as nuvens. Parecia uma espécie de anúncio de um tempo de trevas que se iniciava naquele instante e que culminaria anos mais tarde num pulo mortal do Edifício Maria Feliciana. (Ver 02h30min54seg do capítulo 01)

Apreensivos diante da possibilidade de um novo ataque de “macacos” a qualquer momento, os cangaceiros permaneceram em vigília.
Zé Canuto aproveitou para fumar um cachimbo e refletir sobre o seu futuro.

Os pensamentos do chefe dos cangaceiros foram interrompidos pela figura esquelética de um homem armado que puxava outro de batina.

- Aqui Capitão.
– Bom trabalho Papagaio.
- Quem é você?
- Esse é o Capitão...
- O que você ainda ta fazendo aqui Papagaio? Suma!

Zé Canuto encarou o Padre e gesticulou para ambos se afastaram. Quando julgou estar num ponto em que não poderia ser ouvido falou:

 
- Eu sou o Capitão Zé Canuto.
- Já ouvi falar... O senhor é a encarnação do diabo, não é à toa que vale muito.
- Quanto?
- 50 contos de Réis.
- Hum...
– Assassino!
- Se o senhor não fosse padre eu tirava suas tripas agora mesmo!
- Por que não faz isso?
- Não me provoque padre, homem nenhum me encara sem que depois de piscar o visite nosso senhor Jesus Cristo... Posso esquecer que o senhor usa saia.
- Respeito é bom e eu gosto.
- Não se apoquente Padre, não há necessidade. Além do mais, preciso do senhor.
- Pra quê?
- Por causa do meu filho que nasceu hoje. Eu quero que o senhor o crie.
- Como é que é?
- Exatamente isso que o senhor ouviu.
- Por que você não cria?
- Não quero que ele fique nessa vida.
 – Então deixe essa vida.
- Não posso.
- Que diabo de vida é essa, meu filho? Prefere espalhar terror, estuprando, seqüestrando crianças, incendiando fazendas, assassinando e torturando? Deus está vendo meu filho.
- O senhor não entende.
- Entendo sim, isso é loucura!
 Não é loucura, é guerra! Eu faço parte dessa guerra, sou filho dessa guerra, eu entrei porque tinha que entrar... Pra não ser um covarde, como meu pai...
- Roubar e matar gente inocente é valentia?!
- Eu não roubo, eu peço. Mas se não der um tomo. E eu só mato quem não colabora.
- O Caminho da salvação é o trabalho, meu filho.
- Trabalho? Meu pai...  A culpa foi daquele coronel.
- Que coronel?
- Coronel Raimundo Venâncio... Meu pai era seu capataz, um dia ele chegou em casa e minha mãe disse que o coronel a estuprou quando ele saiu com o gado, o coronel a chamou de mentirosa, meu pai não fez nada, não teve coragem de tomar uma atitude de macho, mesmo assim o coronel mandou seus capangas baterem nele e meu pai morreu da surra... Minha mãe se matou de desgosto.
- E você?
- Eu tinha dez anos, e pra não morrer fugi. Só sobrevivi por que no meio do mato fui sacudido pelo Firmino, meu segundo pai... Grande homem.
- Nunca ouvi falar.
- Já ouvi falar do Capitão Cabeleira?
- Não me diga que...
- Era ele.
- Não acredito, não foi ele que iniciou essa guerra?
 - Foi
- Como você consegue viver com um cemitério na cabeça, meu filho?
 - A gente acostuma. No sertão não há lei... Não há direitos... Não há justiça.
 - Então o senhor tem uma causa?
- Não sei... Hoje luto por costume, para impor respeito, porque não sei viver sem lutar... Acho que a causa se perdeu há muito tempo. Mas um dia eu acho o Coronel Raimundo Venâncio e aí... Ou fico eu ou fica ele pra contar história.
- Por que você não dá o menino pra um dos seus coiteiros?
- Não, não, eles sempre estão brigando por terra, por vingança ou por um motivo qualquer... O que eu quero é que o menino fique em paz.
- Está bem. Ensinarei a palavra de Deus a essa criança.
- Entonce tamo conversado. – deu dinheiro ao Padre - Isso é pro Senhor. – Olhou a esposa -  Josefa, entregue o menino pro Padre.
- Não Zé...

Sem se importar com o protesto da esposa, Zé Canuto tomou a criança, deu ao Padre e ordenou:

– Cambada, sei que vocês estão cansados, mas na certa tem mais macaco atrás da gente, é hora de avançar. Depois haverá tempo pro descanso.

Josefa chorou, chorou e chorou. Comovido o Padre se aproximou e disse:

- Calma minha filha, cuidarei bem dele.

Josefa tirou do pescoço um terço de madeira, deu ao Padre e pediu:

- Tome Padre, dê para ele e diga que a mãe dele sempre o amou!

 


No meio da escuridão. Os cangaceiros saíram em fila indiana. Todos pisando na mesma pegada dirigiram-se para o sertão da Bahia. O Último da fila, como de costume, tratou de apagar  as pegadas com uma palha.

Em meio a cactos e palmas, na calada da noite, o Padre saiu em direção à igreja “São José” cantando uma música sacra:

“Em verdes pastagens me leva a repousar.
Em fontes bem tranqüilas, as forças recobrar.

Por justos caminhos, meu Deus, vem me guiar.
De todos os perigos, meu Deus, vem me livrar!”

A projeção foi interrompida... Em questão de segundos “Elda” se tele transportou diante dos olhos de Guilherme que a essa altura já estava acomodado na poltrona.

 
- Você está bem Guilherme?
- Sim e não...
- Como assim?
- Não sei por quê... O que vi me é estranhamente familiar.
- Isso é ruim?
- De certa forma... Pois senti intensamente as emoções que vi, como se eu fosse um deles.
- Você era um deles.
- Quem?
- Não se preocupe... Saberá no tempo certo. Mas, se isso foi o ruim, então o que foi bom?
- Pela primeira vez... Em muito tempo, consegui esquecer de Geeda e de todo mal que ela me fez.
- Bom... Fico feliz em saber disso...

Elda estendeu as duas mãos rentes à testa de Guilherme, e em silêncio emitiu vibrações positivas.

- O que está fazendo?
- Te dando um banho energético.
- Por quê?
- Você será submetido a importantes revelações que o desestabilizarão emocionalmente.
- Que revelações?
- Não tenha pressa meu filho... Saberá no momento certo... E então, entenderá.

 

Uma pausa no Déjà Vu...

09 DE FEVEREIRO DE 2009

 
20h45min03seg – Um táxi parou em frente ao residencial “Carpe Diem” na Zona de expansão:

20h45min09seg – Lucas Andrei entrou na casa de Allan. Tinha recebido instruções claras para ir sozinho e não avisar a polícia.

Um homem alto, vestido elegantemente, gesticulou para que o detetive sentasse.


- Veio só?
- Você é o Senhor X?
- Não Andrei... Pode me chamar de Thiago... (ver 22h29min11seg do capítulo 102) Digamos que sou uma das poucas pessoas em que ele confia... Além do mais, não é sempre que ele resolver os problemas pessoalmente... E você deve lembrar que o estilo dele é diferente (ver 03h02min15seg do capítulo 77)... Lamento.
- Epoche que lamenta... Meu nariz também.
- Trouxe o que pedi?
- Allan está bem?
- Trouxe o que pedi?
- Depende da sua resposta.
- Ele estará bem... Conforme sua resposta.
- Não trouxe... Mas direi onde está se falar com Allan... Agora.

20h46min12seg – O Homem fez uma ligação e ordenou:

- Entregue o telefone pra ele... E espere minha ordem para libertá-lo.

20h46min36seg – Andrei atendeu.

- Allan?
- Andrei?
- Epoche! Você está bem?
- Sim... Não me fizeram mal... Só queriam que eu assinasse algo e que você entregasse uma coisa.
- Assinasse? O que você assinou?
- A conclusão do inquérito.
- Como? Epoche... Tudo está fazendo sentido... Diga-me que não assinou?
- Como não assinaria? Essas pessoas são muito poderosas Andrei. Você não imagina o quanto.
- Epoche que imagino.
- Você achou o tal livro?
- O livro não existe... Só achei o diário... É o que eles querem.

20h47min36seg – O capanga do “Senhor X” pegou o telefone e indagou.

- Então Lucas Andrei? Como vai ser?
- O diário está na floricultura “Love Story”, informei que mandaria um amigo pra buscar as flores e o “presente” que deveria ser entregue junto.
- Como vou saber que não está mentindo.
- Não minto nunca! Epoche que... Se eu estivesse mentindo, vocês são poderosos o suficiente para ordenar meu suicídio a qualquer tempo.
- É... Detetive... Realmente você é muito inteligente.
- Libertem-no!

20h47min36seg – A ligação foi encerrada. Thiago, o braço direito do “Senhor X” virou-se para Lucas Andrei e disse num sorriso irônico:

- Que cara é essa detetive? Quer fazer alguma pergunta?
- O inquérito foi arquivado mesmo?
- Sim. – E se eu fosse você – Esqueceria tudo.
- Epoche.
- Detetive... Foi muito bom negociar contigo.

20h49min01seg - Assim que percebeu que estava só, Lucas Andrei tremeu ao ouvir que o telefone da casa de Allan tocou.

- Andrei... É Allan... Saia daí agora... Agora! Ouviu? Agora!
- Por quê?
- Encontre-me no farol em meia hora... Lá te explicarei tudo.

20h50min01seg - Abismado com os últimos acontecimentos, Lucas Andrei tirou do bolso a última folha do diário de Basílio (ver 22h25min11seg do capítulo 106) e releu uma frase em manuscrito:

 
  
Continua...




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